ARTIGO: O CHARLATÃO 'ANTÔNIO NOVAIS TORRES'

ARTIGO: O CHARLATÃO 'ANTÔNIO NOVAIS TORRES'

Por Antonio Novais Torres



O garoto tinha entre doze e treze anos. Trabalhava como caixeiro numa venda do vilarejo onde residia. Não tinha direito a férias nem ao décimo terceiro, não era registrado e  trabalhava inclusive aos domingos sem ganho de horas extras. Uma vida infantojuvenil de trabalho, mas compensadora por estar contribuindo para o sustento da família. Certa feita, apareceu no vilarejo, um indivíduo que não se sabe por que escolheu aquele local pequeno e sem perspectivas promissora de futuro para morar. Comprou um pequeno terreno pouco distante do comércio, percurso que fazia a pé diariamente. No retorno caminhava claudicante pelo efeito etílico. O referido senhor montou uma farmácia e, nos fundos, um precário consultório dentário  equipado com uma cadeira de madeira reclinável e local para apoio da cabeça, confeccionada por marceneiro local. Usava instrumental usado que não era devidamente esterilizado. Exercia o charlatanismo, com status de doutor.

Por Antonio Novais Torres


O garoto tinha entre doze e treze anos. Trabalhava como caixeiro numa venda do vilarejo onde residia. Não tinha direito a férias nem ao décimo terceiro, não era registrado e  trabalhava inclusive aos domingos sem ganho de horas extras. Uma vida infantojuvenil de trabalho, mas compensadora por estar contribuindo para o sustento da família.

 

Certa feita, apareceu no vilarejo, um indivíduo que não se sabe por que escolheu aquele local pequeno e sem perspectivas promissora de futuro para morar. Comprou um pequeno terreno pouco distante do comércio, percurso que fazia a pé diariamente. No retorno caminhava claudicante pelo efeito etílico. O referido senhor montou uma farmácia e, nos fundos, um precário consultório dentário  equipado com uma cadeira de madeira reclinável e local para apoio da cabeça, confeccionada por marceneiro local. Usava instrumental usado que não era devidamente esterilizado. Exercia o charlatanismo, com status de doutor.

 

Dizia-se que o mesmo havia cursado o terceiro ano de medicina e, por uma desilusão amorosa, abandonou o curso e escolheu esse lugar pacato e bucólico para morar e se esquecer da dor da decepção sofrida.  Os fofoqueiros comentavam da sua paixão por uma balzaquiana costureira famosa do lugarejo que conquistou-lhe o coração.

 

 O referido senhor era um inveterado bebedor de cachaça. Fazia parelha com um português que também fez morada  na vila sem se saber por que escolheu ou o  motivo  de fixar-se nesse lugar. Tinha o ofício de carpinteiro, serviços grosseiros. O “doutor” afirmava criticando ser o  único europeu analfabeto que conhecera e se encarregava das correspondências do amigo ignaro.

 

Os boêmios adictos frequentavam a venda onde o garoto trabalhava aos quais servia a bebida preferida, pinga com limão. O português também gostava de comer pão francês recheado com carne da ‘capa do toucinho’ e alho, como tira-gosto. Dizia ele, ser um hábito saudável e que evitava a embriaguez. Falava sempre trocando o “V” por “B” e vice-versa, por exemplo: “bocê” (você) “vode” (bode), uma cacoépia de determinada região de Portugal.

 

Um dia, o menino caixeiro queixou-se para o dentista charlatão que estava com um dente doendo e  mostrou-o ao “especialista”, puxando a bochecha com o dedo e o “dentista” identificou-o como sendo o primeiro molar. A esta altura, já havia tomado umas e outras e recomendou ao paciente um bochecho com aguardente como anestésico e fosse para o consultório que ficava em frente e o esperasse terminar de degustar o seu aperitivo para executar o serviço. Sem maiores delongas, cuidou da extração do dente, só que, ao invés de extrair o dente identificado, arrancou o do lado oposto. Com o protesto do paciente, só restou à alternativa de uma nova extração, desta vez, acertadamente. A vítima  ficou sem os dois primeiros molares permanentes inferiores, que até hoje lhe fazem falta, pela imperícia e irresponsabilidade do dentista prático.

 

Seguindo o encadeamento desse fato, adentrou na  farmácia  um senhor  com um papel de caderno contendo o nome de três medicamentos, como se fosse uma receita médica, escritos com  letra legível  o nome dos remédios, deduzindo-se tratar de alguém com razoável instrução.

 

 Achando estranho, pela diversidade dos fármacos, o balconista perguntou ao senhor quem havia indicado os remédios e ele disse tratar-se de uma benzedeira. Que os remédios eram para um seu irmão que já tinha procurado médicos e não tivera resultado na cura da doença. Fora informado dessa benzedeira que era mais poderosa que ‘médicos de verdade’ e ainda cobrava uma consulta mais barata. Cobrava  apenas a metade do preço de um atendimento feito pelo doutor formado.

 

Na indicação da curandeira, constava um antibiótico, um antiácido e um remédio para dor e gazes e, como se sabe, remédios só se devem tomar com  indicação do médico, o único profissional capacitado e autorizado a receitá-los, por conhecer farmacologia e os efeitos das respectivas drogas. Observação que serve de alerta aos donos de farmácias que prescrevem remédios por sua indicação, método também conhecido como “empurroterapia”.

 

Na realidade, a população pobre não pode pagar o preço de uma consulta médica particular, mais remédios e exames de laboratórios solicitados por não ter condições financeiras. Não contam com a eficiência ou a expectativa do atendimento rápido  da saúde pública que é caótico em todo o país. A Constituição assegura que a saúde é um direito do cidadão e dever do Estado. Isso, na prática, não acontece pela incompetência e ineficiência administrativa dos órgãos públicos, com raras exceções, por conta dos abnegados administradores. Dessa forma, os desditosos, desesperados procuram alternativas enganosas e sem nenhuma eficácia.

 

Daí, os espertalhões agirem por meio de rezas, feitiçarias e outras práticas, iludindo os incautos através de métodos que psicologicamente incutem nas pessoas desavisadas e sem conhecimento a confiarem no seu poder de cura. Com isso  anarquizam os profissionais de conhecimentos técnicos e títulos, igualmente desafiam a justiça por desrespeito às leis. Tais procedimentos são crimes previstos em lei. Leis, temos muitas, boas até, e de grande índice técnico jurídico com grande alcance econômico-social. Infelizmente, muitas não são aplicadas. Aliás, é corrente o dizer que há leis que pegam e as que não pegam uma abertura  para a ilicitude.

 

 Urge passar o país a limpo e fazer da Constituição um guia seguro da cidadania, uma expectativa de todos que estão sequiosos de verem os direitos constitucionais assegurados e cumpridos. Há de se acredita que  alguém possa realizar o desejo popular, fazendo da Constituição o guia de suas ações. As expectativas se renovam a cada eleição. Embora os poderosos não cumpram com as promessas e desrespeitem a Carta Magna e as leis que regem os destinos do país pela  quase certeza da impunidade, a esperança de reverter-se esse quadro, é a última que morre, acreditemos nessa perspectiva.


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