

Os contos de mil e uma noites são narrados pela rainha Scherazade: o sultão, vítima da imensa tragédia da infidelidade da esposa, despeitado e humilhado, ordena sua execução e pede ao seu vizir – uma espécie de ministro do rei – que comunique à população sua terrível sentença: a cada noite, casar-se com uma nova mulher, donzela, matando-a ao amanhecer do dia seguinte. Apesar de saber da decisão do sultão, Scherazade resolve se casar com ele, mas elabora um plano para salvar as virgens do reino e evitar a própria morte. Na noite das bodas, conta uma história e lendas que fascinam o sultão, porém antes de chegar ao fim, suspende o relato. Curioso, o sultão concede a ela mais um dia de vida, para saber o final da história. Scherazade repetiu essa manobra durante mil e uma noites quando, finalmente, o sultão descobre-se apaixonado por ela e a torna uma esposa feliz.
Os contos de mil e uma noites são narrados pela rainha Scherazade: o sultão, vítima da imensa tragédia da infidelidade da esposa, despeitado e humilhado, ordena sua execução e pede ao seu vizir – uma espécie de ministro do rei – que comunique à população sua terrível sentença: a cada noite, casar-se com uma nova mulher, donzela, matando-a ao amanhecer do dia seguinte. Apesar de saber da decisão do sultão, Scherazade resolve se casar com ele, mas elabora um plano para salvar as virgens do reino e evitar a própria morte. Na noite das bodas, conta uma história e lendas que fascinam o sultão, porém antes de chegar ao fim, suspende o relato. Curioso, o sultão concede a ela mais um dia de vida, para saber o final da história. Scherazade repetiu essa manobra durante mil e uma noites quando, finalmente, o sultão descobre-se apaixonado por ela e a torna uma esposa feliz.
No contexto circunstancial deste conto das mil e uma noites, farei um relato de infidelidade conjugal, que envolve os jovens Romualdo e Romilda, um fato mesclado de realidade e ficção, que pode eventualmente ter coincidentes com situações ocorridas na sociedade, sem que haja nenhuma intenção do autor dirigida a um alvo definido. Esse esclarecimento vem a propósito para resguardar o escriba de qualquer maledicência, julgamento ou reproche açodado dos que queiram tomar para si a carapuça.
Romilda – uma moça bonita, morena de olhos verdes, cabelos compridos cor de mel que lhe ressaltavam o rosto oval de traços delicados, esbelta, andar faceiro e cadenciado chamava a atenção de todos quando passava na rua e estugava o passo em requebro, propositadamente, despertando voluptuosidade nos circunstantes transeuntes.
Nas festas, era a mais disputada pelos mancebos para dançar e a todos atendia, mesmo os que não lhe eram simpáticos, sempre com a delicadeza e a educação de sua peculiaridade. Ela tinha a consciência da sua beleza e de tudo fazia para valorizar seus predicados, deixando enlouquecidos os rapazes casadoiros, conquanto fosse uma moça recatada, sem empáfia, caseira, que vivia sob a vigilância dos pais. Essas são as referências da adolescente que inspirava sentimentos de admiração, desejo e cobiça nos homens.
Romualdo – um rapaz muito querido e bastante conhecido na cidade, pela sua inteligência e versatilidade era uma espécie de “homem dos sete instrumentos”, muito requisitado para consertos de toda espécie de eletroeletrônico, serviço que dependia de habilidade e aptidão para executá-los, era um curioso politécnico, que se havia bem nas suas investidas de profissional improvisado.
Jovem, bem-apessoado, estatura avantajada, de porte atlético, viril, forte, com musculatura bem distribuída, pois praticava halterofilismo. Vestia-se adequadamente com esmero, educado e de bom procedimento, gozava de um relacionamento social conceituado e frequente em todas as manifestações socioculturais da cidade. Portador de tantas qualidades despertava interesse e era visto pelas moçoilas e adolescentes, em seus devaneios e pretensões, como um “bom partido”, apto para o casamento.
Romilda e Romualdo conheceram-se numa festa de comemoração do Santo Padroeiro da cidade. Desde esse dia, passaram a ver-se com relativa frequência em todas as oportunidades possíveis. Foi um amor impetuoso, ardoroso, arrebatador, paixão fervorosa e recíproca, uma aprovação do destino que os colocara no caminho das núpcias. Apaixonados e com o consentimento das famílias, casaram-se sem mais delongas, sem mesmo cumprirem o ritual prévio, de tempo de namoro, noivado até a consagração do matrimônio.
Após dois anos de casados, a esposa não engravidou. Procuraram um especialista em reprodução humana na capital e o médico constatou que Romilda tinha problemas de ovulação e precisava fazer um tratamento que previa uma consulta mensal. Assim ficaram acertados. Todo mês, Romilda dirigia-se para a capital e se hospedava em casa de parentes. Numa dessas viagens, foi convidada pelas primas a ir à praia. Embora Romilda resistisse, alegando pressa em retornar, foi convencida a divertir-se. Diziam as parentas: “No interior, minha filha, é só trabalho, é preciso também curtir a vida e a oportunidade é esta que você está aqui, se o ‘maridão’ reclamar do bronzeamento, diga que foi orientação médica, ele compreenderá”.
Na praia, a esbelteza da mulher chamou a atenção de um indivíduo halterofilista, frequentador de praia e fama de conquistador, que trabalhava na polícia militar, puxou prosa com Romilda. Este passou a paquera-la. Uma conquista orquestrada, com astúcia, artifícios e palavrório megalomaníaco. Cheio de artimanha, com declarações amorosas e manifestações de afeto com que a interiorana se envaidecia pelo embevecimento da força atrativa do cupido. Ele falou-lhe dos atrativos da cidade e fez promessa de lhe proporcionar uma vida de felicidades e encantamentos, e dizia que era preciso conhecer o verdadeiro prazer do amor que ela nunca sentira com o marido, insinuava o sedutor libertino.
Envolvida, seduzida e insegura, excitada pela curiosidade de conhecer esse tal prazer do amor, acedeu e entregou-se ao conquistador que a levou para um motel de luxo, coisa que nunca tinha visto, o que a deslumbrou e a impressionou. O êxtase das carícias e carinhos que não estava acostumada receber do marido, um homem rústico, lhe conturbou o coração.
Ao regressar, comunicou ao esposo que as consultas, doravante, por exigência médica, seriam semanais, astúcia para reencontrar o amante o mais breve possível. “O adultério é considerado o inimigo número um dos casais e atrai a imaginação de homens e mulheres com seu encanto transgressor”. Romualdo foi vítima dessa transgressão, e o comportamento da mulher nas relações amorosas com ele tornou-se frio e indiferente, criando-lhe a suspeita de uma traição.
Confidenciou a um amigo que trabalhava nos Correios as suas suspeitas, e esse se encarregou, embora fosse crime, de violar as correspondências de Romilda, para certificar-se da suspeita do amigo. Fato comprovado causou grande frustração, decepção e sofrimento moral a Romualdo. Magoado, desonrado e ferido em seu orgulho machista, em desabafo, considerou a desdita um ato vil, leviano e degradante, traição cruel, excrescência da personalidade deturpada e volúvel que infesta o procedimento humano.
Foi preciso sobriedade, paciência, tolerância, altivez e superioridade de caráter para não cometer atitude tresloucada de vingança, que lhe veio à mente em momento de desespero e desordens mental e emocional. A fé e a confiança em Deus proporcionaram-lhe procedimentos sensatos e civilizados para desfazer-se do casamento sem traumas de consequências violentas contra a integridade física da mulher, à qual dedicou desprezo sem nenhum ânimo de desforço.
Romilda não foi feliz com o amante policial, que passou a demonstrar um ciúme doentio, por conta da exuberância da beleza da amásia. Passou a agredi-la e humilhá-la, de forma que sua vida transformou-se num inferno sem comiseração, cuja resignação pelos maus tratos, era o conformismo do arrependimento pelo adultério cometido, recriminação da própria consciência.
Romualdo, refeito do trauma de marido ultrajado, transformou-se em “ave de rapina”, atacando nos labirintos da esbórnia, buscando amores para saciar a sua concupiscência e aplacar a sua indignação, como se fosse uma atitude de revanche. Tornou-se, assim, um indivíduo experiente na arte da sedução e do amor. Cansado dos excessos lascivos, por fim, encontrou uma alma humana, que teve infortúnio semelhante ao seu, por cujas experiências o fatalismo encarregou-se de uni-los para viverem dignamente respeitando-se mutuamente.
Segundo Voltair “o casamento é a única aventura aberta à covardia”. Há quem concorde e também os que discordam. A vida é assim: composta de forças e fraquezas, realidades e incertezas, de acertos e desacertos, de negações e afirmações, de igualdades e desigualdades, de fatalidades e acertos, de êxitos e de surpresas boas ou más. Enfim, de começo e finitude. Cabe a cada um a capacidade de administrá-la e conduzi-la para o bem ou para o mal.