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O Café com o Brumado Agora entrevista Rita Alves Ataíde



Nascida em 17 de outubro de 1922, em Alto do Rosário, Distrito de Dom Basílio, em uma família humilde, a entrevistada de hoje do Café com o Brumado Agora nunca desistiu dos seus sonhos, e traçou os caminhos da vida com muita garra, perseverança e os pulsos firmes de uma mulher guerreira.  Rita Alves Ataíde, a 9ª dos 12 filhos de sua mãe, se casou aos 17 anos com Abias da Costa Ataíde,  em 30 de junho de 1943, com quem constituiu família e teve os filhos: Homero, Benedito, Maria do Carmo, Margarida, Zé Luiz, Elias, Raimundo, Antônio, Fernando, Floriza, Beto, Lícia, Francisco de Assis, Regina, Rosa e  criou, ainda, João, Anita e Maria Virgens. Hoje a família Ataíde é ainda mais numerosa e Dona Rita já possui netos, bisnetos e tataranetos. A história de determinação, amor, coragem e luta desta grande matriarca, homenageada pela Casa da Amizade como representante das avós de Brumado, será contada em uma entrevista leve e descontraída que aconteceu nas dependências de sua residência. Confira:




Café com o Brumado Agora – Conte-nos um pouco sobre sua infância.


Rita Ataíde -  Inicio contando que minha mãe costumava dizer que  eu fui “cuspida e não nascida” (risos), devido a facilidade que ele me teve, sem dores, sentiu os incômodos e pronto, eu já nasci. Bem, lembro que eu tinha 5 ou 6 anos, quando minha mãe teve um dos seus filhos e uma professora foi nos visitar. Ao ver a situação em que me encontrava, eu era de família muito pobre, ele pediu a minha mãe para me criar e que me devolveria quando estivesse formada nos estudos. Minha mãe não deixou, disse que não tinha como deixar todos os filhos estudarem, então eu também não iria. No entanto, com a insistência da professora, minha mãe me deixou ir com ela, por um dia, para brincar com suas netas. Nossa, foi uma alegria para mim, ela me deu um bom banho, me vestiu com um vestido de uma das netas e colocou uma mesa de café da manhã com tantas coisas que eu nem sabia que existiam, comi tanto (risos). Fiquei triste na hora de voltar para casa, minha realidade era muito diferente. Só aos 7 anos fui para escola, mas não com frequência , apenas quando meus pais permitiam. Minha mãe sempre dizia “vai para a escola quando puder”. Eu sempre quis estudar, então aproveitava as oportunidades que tinham para aprender a soletrar e juntar as letras. Quando não ia a escola, ficava lendo almanaques e me esforçava para conseguir ler. Quando eu gostava muito de ler alguma coisa, eu lia e copiava tudo novamente. Minha maior alegria foi conseguir ler o livro ‘ O bom homem Ricardo’. Da minha infância, ainda lembro que sempre trabalhei, desde os 7 anos eu já ia para roça de cebola, de arroz, batata e catava pimenta, junto com meus irmãos. Tem até uma passagem engraçada:  para não trabalhar e voltar para casa, quando eu estava cansada, eu passava pimenta nos olhos. Não adiantava, minha mãe lavava, me colocava embaixo de uma árvore para secar, e eu tinha que voltar para a roça.


Café com o Brumado Agora – Houve algum momento desta fase que merece ser destacado?


Rita Ataíde – Sim, uma situação, inclusive, curiosa. Todo domingo, havia uma missa em Curralinho (atualmente Dom Basílio) que todos iam e era a nossa diversão. Em casa, minha mãe escolhia quem iria e, quem não fosse, ficava em casa realizado os afazeres domésticos. Como eu achava que iria, tomei banho, vesti uma roupa boa, e usei a água do balde como espelho, para me maquiar. Mas tenho que explicar essa maquiagem (riso), minha mãe não permitia, nem espelho em casa tínhamos, então, peguei um papel vermelho, molhei e passei nas bochechas (risos). Minha irmã vendo aquilo correu e contou para a minha mãe que eu estava me “empetecando*. Minha mãe brigou  muito comigo e disse que eu não iria para lugar algum e que eu iria ainda cuidar dos afazeres da casa, fazer comida e buscar água, lembro, inclusive, que era muito longe. Chorei muito, xinguei  minha mãe, falei palavrões, até o padre eu xinguei (risos). Bem, busquei água, fiz o almoço, e mesmo assim continuava chorando, fiquei o dia todo assim e nem comi.Com o entardecer, peguei o milho e fui dar para as galinhas e depois me sentei embaixo de uma laranjeira, bem florida e cheia de frutos. Ali, me arrependi de ter xingado minha mãe e pedi a Deus que me perdoasse. Ai sim fiquei mais triste, porque não sabia se Deus ia me perdoar, pedi muito a ele que me desse um sinal se tinha me perdoado. Bem, no outro dia, minha mãe foi ao quintal e se deparou com a laranjeira completamente despedaçada, sem flor e frutos todos no chão e foi logo me acusando de ter deixado alguém entrar em casa, quando ela não estava. Eu disse que não entrou ninguém, meu pai também não falou nada, então ela achou tudo estranho e chamou rezadeiras.  Das três que foram lá, uma disse para minha mãe que aquilo era sinal de castigo, então, entendi que se tratava do sinal de Deus, que ele tinha me perdoado.




Café com o Brumado Agora – A senhora passou um tempo em Caetité e ainda há uma história curiosa sobre como a senhora conheceu o seu marido. Poderia nos contar?


Rita Ataíde – Sim. Imaginem, saí de Curralinhos (Dom Basílio) para Caetité à cavalo, pois naquela época não havia condução. Senti muitas dores pelo corpo durante toda a viagem, mas mesmo assim, em Riacho de Santana acampamos para dormir, e eu que fiquei com a responsabilidade de catar os gravetos para fazer a fogueira, onde cozinharíamos arroz e bolo de carne. Em Caetité, minha rotina não foi muito diferente, eu sempre estava lá cuidando dos afazeres de casa, na lavoura, minha vida nunca foi fácil. No entanto, lá havia umas freiras que davam aulas gratuitas para pobres e conseguiram uma vaga para mim. Imagine a minha felicidade, eu que sempre quis estudar. Devido a minha força de vontade, estudei muito, passei nas séries com facilidade e me empenhei muito nestes 3 anos que fiquei em Caetité. Quando estava próximo de me formar, minha mãe já exigia que eu retomasse para Curralinhos, as freiras então pediram para que eu escolhesse entre ficar ou voltar para casa. Fiquei com um aperto no coração, mas voltei para casa, e ainda fingindo não estar “estudada”, conversando tudo errado, pois se conversasse de forma correta em casa, era castigada pela minha mãe. Quanto a conhecer meu esposo, foi assim. Tínhamos uma simpatia que, quando corresse uma velação, agarrávamos a primeira coisa que estivesse ao chão, colocávamos embaixo do travesseiro, e assim sonharíamos com o futuro esposo. Fiz isso por três vezes e nelas sonhei com o mesmo rapaz, o qual nunca tinha visto. Quando fui a Malhada de Pedras, para um casamento, imagine quem encontrei? Sim, o rapaz com quem eu sonhava.


Café com o Brumado Agora – Como foi a partir deste encontro?


Rita Ataíde – Conversei pouco com ele, naquela época não era como hoje o contato entre homens e mulheres. Mas, ele me prometeu ir a Curralinho. Bem demorou mais de 8 meses para isso acontecer, pois o pai dele não o deixava ir. Quando ele enfim conseguiu ir, as duas coisas que consegui conversar com ele foram perguntar quantos irmãos ele tinha e se a família estava bem (risos).Eu passei a escrever para a irmã dele e assim fomos nos comunicando. Com muita dificuldade, pois não tínhamos contato, em 1943 nos casamos. No dia do meu casamento eu ainda fiz todos os serviços domésticos, não tive o “Dia de noiva” (riso). Só vieram homens para meu casamento, uns 30 cavaleiros que foram até livramento, onde me casei na igreja e dois dias depois me casei no Civil em Dom Basílio. Depois disso, fui morar em Lagoa do Tamboriu, na casa da minha sogra, onde me recordo que a iluminação da casa era uma fogueira acesa no meio da sala, ficamos lá por sete anos, tempos depois fomos para outras localidades e em 1948 comecei a dar aulas.



Café com o Brumado Agora – Quando a senhora passou a morar em Brumado?


Rita Ataíde -  Antes de vir morar na sede, em 1954 fui morar na Fazenda Brejo. Este foi o lugar onde nasceu a maioria dos meus filhos e onde eu os criei. Lá eu morei em uma casa velha, sem portas, havia apenas as estruturas, mas não havia as folhas para fechar. Essa casa foi o chefe do meu esposo que nos consegui, na época ele começou a trabalhar na Magnesita. Para dormir, eu pegava uma folha de porta que havia solta e isolava uma porta e duas malas, uma em cima  para isolar outra porta. Bem, passamos a viver assim, com muita dificuldade, mas dignidade foi algo que nunca nos faltou. Bem, comecei então a dar aulas nas comunidades locais, naquele período pouca gente sabia ler e escrever e, além disso, não havia quem ensinasse, então fui nomeada por Dona Mirian. Foi difícil lecionar na época era apenas um salão, sem quadro negro, as provas dos alunos eram feitas no caderno e o pior, não havia água, buscávamos água, e essa água não dava para a metade dos alunos. Para complementar a renda da família, eu ainda lavava e passava para fora, costurava, pois eu ensinava apenas pela manhã e tinha o resto do dia.


Café com o Brumado Agora – Quando a senhora veio morar na sede?


Rita Ataíde -  O tempo passou, as coisas foram melhorando, meus filhos começaram a trabalhar então vim morar em Brumado no ano de 1972. Aqui, ensinei no Colégio Luiz Viana, no supletivo, e fiz muito trabalhos voluntários. Sempre gostei de ajudar as pessoas, isso me fazia bem, por tudo que passei em minha vida, pelas dificuldades de tive e venci, nada melhor que retribuir fazendo o bem as pessoas. Há até uma história. Naquela época, como parte dos trabalhos voluntários que fazia, eu acompanhava pessoas que estavam doentes e teriam que fazer tratamentos em outra cidade. Então, conheci uma moça no Bairro Dr, Juracy, que estava com uma série de problemas, não comia, sentia dores, gritava muito. Então a levei em Dr. Jorge e ele disse que o melhor seria levá-la para São Paulo. Então fiz campanhas, coletas em igrejas, e outros locais para angariar fundos para a viagem, consegui cerca de 500 cruzeiros. Desta forma,  a levei para São Paulo e lá foi diagnosticado que ela tinha raquitismo. Ela fez todo o tratamento e hoje esta bem. Ela se chama Enezita  é minha afilhada, se casou e já tem filhos. Aqui em Brumado me aposentei como professora leiga e como professora de Crochê, pelo sindicato.




Café com o Brumado Agora – Qual ou quais são as maiores saudades da senhora?


Rita Ataíde -  Dos amigos que deixei no Alto do Rosário. Da vida que tive, apesar de todas as dificuldades, pois não tive infância, adolescência, casei muito cedo, e tive que ter muitas responsabilidades, desde muito pequena. Sinto saudades das pessoas que ensinei a ler e escrever, das pessoas que ajudei. Apesar de tantas saudades, me sinto realizada por tudo, inclusive, pela família que tenho.


Café com o Brumado Agora – Gostaria de deixar alguma mensagem?


Rita Ataíde -  Sim. Quero dizer aos jovens que, nesta vida, não se consegue nada fácil e sim com muito trabalho. E ainda dizer ao povo brumadense que continue sendo o primeiro em hospitalidade, e que o nosso Bom Jesus continue a nós abençoar.



Fotos: Wilker Porto, Produção: Genival Moura e Reportagem: Janine Andrade.


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